As Condições de Trabalho de um ACS ou ACE e seus Efeitos à Saúde

02 abril, 2013



Resumo
O presente artigo analisa as relações entre saúde e trabalho dos agentes de combate às endemias (ACEs) da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), lotados no município de Nova Iguaçu-RJ, que foram reintegrados ao quadro da administração pública após terem sido dispensados. Os objetivos principais deste estudo foram compreender a história da luta destes trabalhadores por reconhecimento social e justiça, cujo desfecho foi a readmissão ao trabalho, bem como conhecer os efeitos adversos na saúde em razão das condições da atividade de combate a endemias. Adotou-se como base metodológica os estudos participativos e, complementarmente, o enfoque da educação popular, realizando grupos de discussão com os trabalhadores. Trata-se, por conseguinte, de uma pesquisa de cunho pedagógico, na qual o diálogo é a relação fundamental. Dos temas identificados nos grupos de discussão obteve-se um repertório de problemas e questões que evidenciaram as más condições de trabalho e a desregulamentação de políticas de saúde voltada para os trabalhadores. Os próprios trabalhadores reconhecem a precarização de seu trabalho, conferindo grande responsabilidade à interferência da política. Referiram-se ainda a um período de incertezas, sofrido pela indefinição de responsabilidades entre os níveis de governo, durante o período de descentralização político-administrativa, e seus efeitos negativos na saúde. Mencionaram o possível aspecto de toxicidade dos inseticidas e os seus riscos de contaminação. Foram sinalizadas sugestões que podem ser adotadas, de modo a propiciar melhores condições de trabalho e de saúde.

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As Condições de Trabalho e seus Efeitos à Saúde

Por condições de trabalho se compreende desde as condições materiais para a realização de sua atividade, passando pelos equipamentos de proteção individual (fornecidos de forma precária e insuficiente), até a ausência de informações sobre os riscos a que estão submetidos em sua atividade profissional.
No que tange à infraestrutura de trabalho, verificou-se durante os diálogos que grande parte dos ACE não possui um local de trabalho fixo. Denomina-se como PA (posto de abastecimento) o lugar que serve como ponto de referência para iniciarem a sua jornada diária de trabalho. O PA serve ainda para manter em segurança os materiais administrativos necessários ao desenvolvimento da atividade laboral, como boletins de atendimentos, ficha de frequência e folhas de notificação, entre outros. Grande parte do trabalho dos ACE se desenvolve na rua. Entretanto, o PA é um local com um importante significado para esse tipo de atividade, já que nele os trabalhadores se situam no território de trabalho e não se sentem na rua. Contudo, em tese, o PA deveria ser disponibilizado pela prefeitura, mas é viabilizado pelos próprios trabalhadores, que necessitam negociá-lo com a população local (associação de moradores, escolas e organizações não governamentais, entre outras). Desse modo, torna-se parte da atividade real de trabalho (identificada como uma tarefa excedente) localizar uma sala ou qualquer outro cômodo, com instalações e equipamentos (como armários) adequados.
Além disso, existe uma grande responsabilidade no que se refere ao armazenamento adequado dos materiais usados no combate aos vetores, podendo se tornar um fator de riscos tanto para os trabalhadores quanto para a população e o ambiente. A ausência de uma política que valorize esse trabalho, proporcionando uma base material adequada, pode ter sérias consequências.

Deve-se considerar que os agentes de combate às endemias estão expostos aos riscos de um trabalho que se realiza na rua, sobretudo queixam-se dos efeitos da violência urbana na sua saúde. Em estudo realizado sobre o tema violência e trabalho dos agentes comunitários de saúde (Imperatori e Lopes, 2009), verificou-se que a maioria desses trabalhadores referia “fingir não ver” a violência na comunidade, devido principalmente ao medo de represálias que pudessem sofrer. Ainda nessa mesma pesquisa os trabalhadores relataram a existência de uma “ética”, a ser respeitada, pois dessa forma também eram respeitados pelos “agentes do tráfico” e “donos do morro”. O trabalho que acontece na rua sujeita esses trabalhadores, tanto os agentes comunitários de saúde quanto os agentes de combate a endemias, a várias intempéries, convivendo diariamente com a violência urbana e seus diversos contornos, como o trafico de drogas, agressões físicas e verbais durante as visitas. Poderíamos, com isso, afirmar que existem em ambas as formas citadas de trabalho tipos de dominação que impõem novas formas de relações, levando os trabalhadores a adotarem estratégias para se enfrentar o fortuito, o medo, a vulnerabilidade e a imprevisibilidade, particularidades do trabalho que se realiza no espaço público da rua.

RELATO:
“Onde eu trabalhei tem um quarteirão onde às vezes tem sequestro, tem cativeiro. Então, tem área que você não pode trabalhar, não pode nem chegar perto, nem denunciar, por que você passa ali todo dia. No meu caso, é o posto de saúde e o DP atrás; você passa que é alcaguete, então você não pode nem pensar em conversar com PM.”
“A gente coloca o guarda num canto, não sabe se o trabalhador vai trabalhar e se ele volta, porque hoje a minha área lá é cercada, por que as pessoas que estão inseridas no tráfico tomam conta”.


As Possíveis Saídas para Driblar os Riscos do Trabalho



Não obstante os relatos de trabalhadores se referirem à violência sofrida no decurso do seu trabalho como algo “externo”, elucidamos que se trata de uma violência que toma corpo na organização do próprio trabalho (Campos, 2002) dos ACE, provocando sofrimento e desgaste. Essas adversidades de situações lhes obrigam a criar estratégias no cotidiano laboral para que o trabalho continue acontecendo. Uma possível saída citada pelos trabalhadores para fintar a imprevisibilidade e os riscos seria o uso de crachás institucionais para a sua identificação, sendo este um artifício do mundo do trabalho com valor simbólico que se contrapõe ao informal e à impessoalidade da rua.
“Nossos crachás estão vencidos. A prefeitura todo ano faz o recadastramento; aí fala que vai mandar o crachá e não manda. A gente fica correndo riscos por que os caras acham que a gente é policial. Tá difícil, espero que melhore.”
Na época desta pesquisa, os trabalhadores não realizavam exames médicos periódicos para saber os danos reais que os produtos utilizados no combate aos vetores poderiam causar à saúde. Entretanto, essa foi uma preocupação bastante presente nos diálogos. Constantemente se referiam ao possível aspecto de toxicidade dos inseticidas e os seus riscos de contaminação para os trabalhadores e o ambiente. A respeito deste tema, é preciso lembrar que, em estudo realizado no Estado de São Paulo pela Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), decidiu-se pela retirada do inseticida usado rotineiramente no controle do vetor, valorizando uma política de controle mecânico do Aedes aegypti e da necessidade de reforço da atuação dos ACE no plano educativo junto à população (Lefèvre e col., 2003). Trata-se, portanto, de um assunto recente a ser aprofundado em outro estudo, levando-se em consideração, principalmente, a experiência e o saber dos trabalhadores.
Mesmo possuindo problemas de saúde, os ACE não se ausentam de seus postos, pois, se o fizessem, teriam redução salarial significativa. As diárias que os agentes recebem correspondem a cerca de 50% a mais em sua remuneração. Essa “gratificação da produção”, mais do que uma medida administrativa de premiação, funciona, pelo olhar do trabalhador, como controle sobre o trabalho, não permitindo que ele se afaste para resolver problemas relacionados à saúde. Ademais, quando o trabalhador procura o serviço de saúde, em geral, não se estabelece uma associação entre a morbidade e as condições de trabalho. A responsabilidade pelo adoecimento recai sobre o trabalhador, tornando-o culpado ao invés de vítima. Estudos na área da ergonomia (Guérin e col., 2001; Daniellou, 2004) mostram como comuns alguns tipos de preconceito no trabalho, entre os quais a falsa ideia de que os acidentes, as doenças profissionais e as mortes têm suas origens no erro humano, ou seja, na imprudência e no desrespeito aos procedimentos prescritos. Procuramos, durante os diálogos, romper com essa ideia frequente de que o próprio trabalhador seria o principal responsável pelos problemas que atingem a sua saúde, pois no campo da saúde do trabalhador é um pressuposto fundamental o papel ativo do trabalhador na preservação de sua vida.
“Mas perde a diária. Se não mostrar o boletim perde a diária. Se você não produzir perde a diária. Quando há deslocamento ele ganha uma ajuda de custo. As diárias se dividem em elementar, médio e superior. Se não produzir a pessoa não ganha. Você, além de ficar contaminado, você é punido por ter se contaminado. A lógica do negócio é esse.”



Hilka Flavia Saldanha Guida
Mestre em Saúde Pública. Assistente Social da Petrobrás.
Endereço: Almirante Barroso, 81 - 33º andar. Centro. CEP 20031-004, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
E-mail: hilka.guida@yahoo.com.br
Kátia Reis de Souza
Doutora em Saúde Pública. Pesquisadora Cesteh/Ensp/Fiocruz.
Endereço: Rua Leopoldo Bulhões, 1480, Manguinhos, CEP 21041-210, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
E-mail: katreis@ensp.fiocruz.br
Maria Blandina Marques dos Santos
Mestre em Saúde Pública e Ambiente. Pesquisadora Cesteh/Ensp/Fiocruz.
Endereço: Rua Leopoldo Bulhões, 1480, Manguinhos, CEP 21041-210, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
E-mail: blandmar@ensp.fiocruz.br
Solange Maria Carvalho Lima da Silva
Especialista em Saúde do Trabalhador. Assistente Social.
Endereço: Rua Leopoldo Bulhões, 1480, Manguinhos, CEP 21041-210, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
E-mail: ronasol@superig.com.br
Valéria Pereira Silva
Mestre em Serviço Social e Especialista em Saúde do Trabalhador. Assistente Social DIUC/PR-5/UFRJ.
Endereço: Av. Pedro Calmon, 550, Prédio da Reitoria, 8º and. Cidade Universitária CEP 21941-901, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
E-mail:vps_valeria@yahoo.com.br


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