Pesquisador do Instituto Butantan (SP) fala dos avanços na tentativa de encontrar vacina para os diferentes tipos do vírus da Dengue
Quase um terço da população mundial vive em áreas sujeitas à incidência da dengue, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). Em Mato Grosso, apenas nos últimos três anos, quase 100 mil casos foram notificados, com 68 mortes relacionadas à doença.
Alexander Precioso |
A tentativa de encontrar uma vacina para os diferentes tipos do vírus (classificado como um arbovírus da família dos flavivírus) mobiliza pesquisadores e governos há décadas. Essa busca, ainda sem resultado, pode estar próxima do fim, segundo acreditam pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo (SP).
Desde outubro, com autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o instituto iniciou os primeiros testes em humanos de uma vacina tetravalente, desenvolvida para a imunização contra os vírus do tipo 1, 2, 3 e 4. A fase clínica dos testes, segundo o instituto deverá ser concluída ainda este ano.
Em entrevista ao DIÁRIO, o pesquisador Alexander Precioso, diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Butantan e um dos responsáveis pelo estudo, disse que, se os testes forem satisfatórios, a vacina poderá ser usada em larga escala até 2018.
Ele lembra, porém, que o sucesso da iniciativa não significará a erradicação da doença, nem tornará dispensáveis as medidas de controle à proliferação do mosquito. "Nenhuma vacina acabará com a dengue no mundo. Ela deve ser encarada como mais um instrumento de combate", diz.
Diário - Quando surgiram as primeiras indicações de que seria possível obter a imunização para a dengue?
Alexander Precioso - Já faz quase 80 anos que pesquisadores vem buscando identificar uma vacina de dengue. No entanto, somente nos últimos anos vacinas candidatas têm se mostrada com um real potencial de funcionarem. De um modo geral, as principais dificuldades associadas ao desenvolvimento e produção de uma vacina da dengue estão relacionadas ao fato da doença ser causada por quatro vírus com características específicas e, portanto, se faz necessário o desenvolvimento de uma vacina tetravalente, ou seja, que proteja contra os quatro tipos de vírus.
Diário - Em relação a estes quatro tipos, algum representou um desafio extra na pesquisa do instituto?
Precioso - Existem diversas abordagens de desenvolvimento de vacinas de dengue. Vou focar na vacina produzida pelo Instituto Butantan. Esta vacina foi identificada inicialmente nos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), onde os pesquisadores trabalharam com os próprios vírus da dengue tornando-os inativados, ou seja, são vírus vivos modificados para que possam desencadear uma resposta imunológica sem causarem a doença propriamente dita. Além de mutações específicas que foram feitas para os quaro tipos de vírus, em particular para o vírus tipo 2 foi necessário mais um procedimento, conhecido por quimerização, para que esse vírus apresentasse as características desejadas para então pode ser utilizado em uma vacina.
Diário - Como qualificar o atual estágio de desenvolvimento da vacina?
Precioso - Iniciamos o estudo clínico de Fase II aqui no Estado de São Paulo. E este estudo deve demonstrar que a vacina é segura e capaz de fazer com que as pessoas produzam anticorpos contra os quatro tipos de vírus da dengue. Finalizando essa fase II e, com base nos resultados obtidos, teremos que realizar os estudos clínicos de Fase III. Serão os resultados dos estudos de Fase III que nos permitirão solicitar o registro da vacina na ANVISA para que a mesma possa ser disponibilizada para o SUS. Na fase III, um número muito maior de voluntários deverá ser recrutado, o que significa que deveremos realizar o estudo em diversas cidades do Brasil e não mais apenas no Estado de São Paulo.
Diário - De que forma estão sendo realizados os testes atuais?
Precioso - O estudo clínico de Fase II está sendo feito na cidade de São Paulo e em Ribeirão Preto. Neste momento avaliaremos a resposta e a segurança dessa vacina em 300 voluntários adultos, de ambos os sexos, saudáveis que já tenham ou não tenham tido dengue.
Diário - Como age a vacina?
Precioso - A vacina é produzida a partir dos próprios vírus da dengue que foram atenuados. Acreditamos que essa vacina induza a produção de anticorpos contra os quatro tipos de vírus e que também seja capaz de fazer com que o sistema imunológico permaneça com uma memória de proteção sendo capaz de proteger as pessoas em momentos posteriores que ela entre contato com os vírus naturais circulantes.
Diário - Quais os efeitos colaterais já identificados?
Precioso - O estudo atual é cego, no sentido que não sabemos quem recebe vacina e quem recebe placebo. Enquanto não finalizarmos o estudo, não poderemos abrir o cegamento e saber exatamente o que está associado apenas à vacina. Temos identificado poucos eventos adversos leves, principalmente no local da aplicação da vacina muito semelhantes aos que normalmente observamos com outras vacinas injetáveis.
Diário - A imunização para os quatro sorotipos poderia levar ao desenvolvimento de novas variedades mais agressivas? Como avalia este risco?
Precioso - Não. Até o momento, os vírus naturais da dengue têm se mostrado bastante estáveis, ou seja, não há nenhum indício que eles tenham sofrido modificações ao longo do tempo. Como a nossa vacina é feita com o próprio vírus da dengue, não tem porque imaginar que este vírus vacinal fosse capaz de desencadear o surgimento de variedades virais potencialmente mais graves.
Diário - Quando a vacina poderá estar disponível para a população? Como seria feita a vacinação?
Precioso - Acreditamos que será possível disponibilizá-la a partir de 2018. Por enquanto trabalhamos com a hipótese de que apenas uma dose da vacina, injetável por via subcutânea, será necessária. No entanto, ainda não podemos responder se deverão ocorrer reforços e quando. Esta resposta somente surgirá com o seguimento que faremos com os voluntários ao longo dos anos para avaliar se os níveis de anticorpos, por exemplo, estão se mantendo ou caindo.
Diário - Qual a capacidade de produção atual? Ela seria suficiente para iniciar uma vacinação em massa?
Precioso - A capacidade atual de produção está direcionada para a produção do que é necessário para a realização dos estudos clínicos e para a realização dos controles da vacina. Esta capacidade será aumentada progressivamente e trabalhamos com a hipótese de chegar a produzir 100 milhões de doses por ano. A população a ser vacinada no início será definida a partir dos estudos epidemiológicos que estão sendo realizados pelo Ministério da Saúde. Importante ressaltar que nenhum produtor que está trabalhando com vacina de dengue em diferentes partes do mundo poderá, em um primeiro momento, atender a demanda real, pois a disseminação dos vírus pelo mundo é muito grande.
Diário - A vacinação poderá tornar obsoletas as práticas de controle já adotadas ou tais medidas deverão continuar a ser incentivadas?
Precioso - Nenhuma vacina acabará com a dengue no mundo por diferentes motivos, entre eles o fato do número de pessoas em risco para contrair a doença ser muito superior a provável capacidade de produção da vacina considerando todos os produtores potenciais de vacina. Portanto, a vacina de dengue deve ser encarada como mais um instrumento de combate à doença, ou seja, em hipótese nenhuma as práticas de controle da doença já adotadas deverão ser abandonadas, eu diria até que deverão ser ainda mais estimuladas para que as pessoas não criem o falso conceito de que a doença será eliminada pela vacinação.
RODRIGO VARGAS
Da Reportagem
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