Cada um por si e a dengue contra todos

27 julho, 2012


27/07/2012 02:02 - Cristiane C. Bresani Salvi

Até quando seremos obrigados a ler cinismos como tais: “Todos unidos contra a dengue” ou “Se você não cuidar o bicho vai pegar” ou ainda “Se você agir podemos evitar”? Será que ‘eles’ pensam realmente que acreditamos nisso? Ainda me pergunto se esqueceram de avisar-lhes que o brasileiro não acredita mais em nada, nem nele próprio. Será que desperdiçariam dinheiro público com slogans para legitimar mais uma armadilha do seu velho neo-liberalismo irresponsável? Tão irresponsável que poderia beirar a inocência, não fosse tanto o descaro de transferir-nos a culpa de ‘sua’ negligência com as políticas ambientais e urbanísticas. Tão imprudente que quase nos convence a combater a dengue colocando areia nas plantinhas e limpando os nossos quintais.

Tenha santa paciência!!! Nós sabemos que o exército de mosquitos vem dos prédios públicos em ruínas, do sistema de saneamento e drenagem que não existe, das ruas com calçamentos fantasmas, das calçadas e vias que nunca ou já existiram um dia, das montanhas de lixo que se acumulam nas esquinas de nossas casas e, principalmente, das péssimas condições de moradia da maioria da população.

Talvez algum ‘deles’ leia isso, mas acredito que não conseguirá extrair do papel algo real e palpável, como respeito, responsabilidade, compromisso, vergonha ou culpa, muito menos compaixão ou fraternidade. Mas como querer que ‘eles’ pensem e sintam como a maioria? Não caminham mais com a maioria, não andam como a maioria, não se vestem como a maioria, não comem como a maioria, não trabalham como a maioria e não sofrem com a maioria.

‘Eles’ esqueceram que todos nós ainda fazemos parte da mesma espécie, Homo sapiens sapiens, ainda somos iguais perante as leis da natureza, dos homens e de Deus, com as mesmas necessidades, direitos e deveres. É verdade que algumas “raças” e “classes” consideram-se superiores à maioria da humanidade, a ponto de negligenciarem a condição humana da sociedade, subestimando o nosso pensar e, sem nenhum pudor ou receio, deixando-nos literalmente no buraco, na lama, no lixo, na ignorância e no caos urbano.

Na verdade, muitos desses seres-humanos-ao-avesso são efetivamente superiores, mas apenas na horizontalidade de suas moradias, cada vez mais altas. Mas cuidado! Não é tão fácil atingir o Céu. Ainda somos iguais, bípedes, todos andamos no chão (muitos na lama, é verdade), ao alcance das mesmas ameaças, ainda como o “homem caranguejo” que migrou da aridez do sertão para a podridão dos mangues recifenses. Ainda não somos livres, não desenvolvemos asas, ainda necessitamos de nossas mãos e braços para escrever, pegar no pesado, segurar os nossos filhos, amparar nossos velhos, e também ‘eles’ ainda precisam para assinar as leis e as sentenças de impunidade, gesticular nos discursos, apertar as mãos dos eleitores e passar a mão na cabeça de um eventual pequeno admirador inocente.

*Doutoranda em Saúde Pública pela Fiocruz.


1 comentários:

Por ser um agente de saúde em combate à dengue e ter conhecimento de campo pelos Dist. Sanitários que já passei, endorso a postagem de Cristiane a Folha PE. Acrescento; a diferença entre os que se jugam superiores da maioria da população está no poder aquisitivo, na maioria das vezes, de origem ilícita proporcionando a estes os melhores planos de saúde com diárias acima de R$1000,00 para tratamento em casos de dengue hemorrágica, enquanto pra pululação resta ser atendido nas UPAs.

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