(Bti) E OUTROS LARVICIDAS NO CONTROLE DA DENGUE.

23 março, 2011

SOBRE A SEGURANÇA DO EMPREGO DE Bacillus thuringiensis var.
israelensis (Bti) E OUTROS LARVICIDAS
NO CONTROLE DA DENGUE 

Prof. Dr. Carlos Fernando S. Andrade
Depto de Zoologia, Inst. Biologia - UNICAMP

EM FUNÇÃO DA CORRESPONDÊNCIA ABAIXO, APRESENTO ALGUNS
COMENTÁRIOS QUE POSSAM AUXILIAR OS AGENTES DE SAÚDE ENVOLVIDOS
NO CONTROLE DA DENGUE. 

A cidade e o nome do funcionário foram omitidos.
“Caro professor,
Sou funcionário da Sec. Mun. de Saúde da cidade xxxxxxxx, trabalho como
Aux. de Controle de Endemias mas, no momento só estamos combatendo a
Dengue por motivos óbvios. O motivo do meu contato e saber de fonte confiável e
gabaritada, qual é realmente os malefícios que o produto B.T.I e W.D.G, trazem
para quem os manipula sem qualquer equipamento de proteção e os usa, em
larga escala, em água potável (wdg) e B.T.I nos depósitos de água insalubre.
Minha pergunta se dá, pelo fato, de que, embora no rótulo do produto tenha
toda sorte de advertências, nossos gestores, insistem em dizer o contrário,
inclusive, esse mesmo produto qd. importado do laboratório ABBOT, só era
recomendado para lavoura e usado sob forte controle, no entanto, foi importado
uma quantidade absurda e usado de forma indiscriminada e irresponsável, pelos
"responsáveis" por tal controle.
Como estamos num período de luta por melhores condições de trabalho
gostaríamos de uma informação abalizada para, apresentarmos, aos senhores
vereadores da nossa cidade que, abraçaram nossa causa mas, precisam saber
exatamente quais são os efeitos desses produtos, para poderem cobrar das
autoridades, mais responsabilidade, tanto com nós funcionários do setor, bem
como com a população que recebe tais produtos nos seus lares.
Espero poder contar com vossa ilustre colaboração, uma vez que tendo um
brasileiro gabaritado para me valer nessa hora, não precise procurar ajuda em
sites estrangeiros.
Sem mais, cordialmente, Xxxxxxxxxxxx. ( 22/nov/2006, recebido por e-mail)”

Inicialmente, tenho que indicar que:
Ministrei o Mini-Curso (16h): “Produtos a base de Methoprene e de Bacillus thuringiensis
israelensis” para Secretaria Estadual de Saúde. No Fórum Estadual sobre a Introdução de
Produtos Larvicidas Alternativos no Combate ao Aedes aegypti. Rio de Janeiro/ RJ, 04 e 05
de setembro de 2000.
E participei da: “Reunião de aprimoramento das ações de prevenção e controle do
dengue”. Brasília/DF- Hotel Nacional – Grupo Inseticidas. Ministério da Saúde – Fundação
Nacional de Saúde – Centro Nacional de Epidemiologia. FUNASA. Período de 25 e 26 de
Abril de 2002.

SEGURANÇA, que é o assunto em pauta, é sempre relativa. E está associada a
questões que conhecemos bem, mas nem sempre temos o conceito corretamente formado.
Podemos dizer que se há PERIGO em algo ou no uso de alguma coisa, é porque há
uma CONDIÇÃO DE DANO. Ou seja, é perigoso voar de avião, subir no telhado de uma
casa ou é perigoso tentar agradar um cão que você não conhece. E podemos dizer que há
RISCO, quando EXISTE A PERSPECTIVA DE QUE VAI HAVER DANO DENTRO DE
UMA BOA PROBABILIDADE. Ou seja, há risco em reagir a um assalto a mão armada, e
há risco de se contrair malária hoje em dia em cidades como Manaus, Porto Velho ou
Cruzeiro do Sul no Acre, pois 24% de toda a malária da Amazônia, está ocorrendo nessas
cidades.

Quando ministrei o Mini-Curso no Rio de Janeiro, o produto organofosforado
TEMEPHOS estava sendo substituído no controle das larvas do vetor de dengue, por outros
dois produtos, depois de ser usado por 30 anos. E a razão era essencialmente o
desenvolvimento de resistência das larvas de Aedes aegypti, que não mais eram
adequadamente controladas por esse produto químico.

QUANTO TÓXICO SÃO OS PRODUTOS
Se não é uma maneira perfeita, ao menos ajuda muito conhecer a toxicologia dos
inseticidas que usamos para avaliar que perigos oferecem. E depois, vamos verificar como
serão usados, para avaliar os riscos.
Uma boa maneira de saber o perfil toxicológico, é consultar a Rede em Extensão
sobre Toxicologia dos escritórios de Extensão das universidades de Cornell, Estadual do
Oregon, Universidade de Idaho, Universidade da California em Davis e do Instituto para
Toxicologia Ambiental da Universidade Estadual de Michigan.
Ou consultar o The Pesticide Manual : BCPC Publications disponível para venda pela
Internet.
Um parâmetro muito útil em toxicologia (embora não seja perfeito), é a Dose Letal
Mediana, Oral, Aguda em Ratos (DL50 O.A.R.). Que é a quantidade de produto necessária
para causar 50% de mortalidade em um grupo experimental de ratos de laboratório (ou
camundongos). Bem, nós não somos ratos de laboratório, mas esses valores servem
perfeitamente para se fazer comparações entre os produtos e seus ingredientes ativos.
TEMEPHOS.
É seguramente o larvicida químico mais usado no mundo. Seu perfil
toxicológico pode ser visto em http://extoxnet.orst.edu/pips/temephos.htm.

Toxicidade Aguda: Temephos é neurotóxico. Nos animais, inibe a ação de um grupo
de enzimas importantes no sistema nervoso e músculos-esqueléticos chamadas
colinesterases. Essas enzimas controlam a transmissão do sinal nervoso. Os sintomas de umaexposição aguda podem incluir náusea, salivação, dores de cabeça, perda da coordenaçãomuscular, e dificuldades respiratórias. Temephos produz sinais e sintomas típicos de inibição da colinesterase quando uma pessoa é exposta a níveis moderados do produto, mas geralmente não produz mortalidade a menos que doses muito grandes sejam ingeridas.
DL50 O.A.Ratos = varia de 1.226 a 13.000 mg/kg
DL50 O.A.Camundongos = varia de 460 a 4.700 mg/kg

Essa DL50 O.A.R. indica grosso modo que ratos pesando 1Kg cada, se ingerirem entre
1,2 gramas a 13 gramas de Temephos, metade iriam morrer com uma intoxicação aguda. E
que mais ou menos um terço dessas doses (0,4g a 4,7g), iria também matar metade dos
camundongos pesando um kg cada. É uma relação entre a dose de um veneno e o peso do
corpo de um animal experimental.
Assim, fazendo para humanos uma projeção baseada em ratos (que também seria
grosso modo):
Para morrer com uma intoxicação aguda metade de uma amostra de seres
humanos adultos pesando 80Kg cada, seriam necessárias entre 96g (=1,2g de
Temephos X 80Kg) a 1.040g (=13g X 80Kg). Ou seja, entre cerca de 100g a 1
Kg de Temephos.
Se a projeção for baseada em camundongos, essas doses são menores(1/3 dos valores
para ratos) e entre 32g e 240g.

NOTE: que estamos falando do ingrediente ativo puro Temephos, e não do produto
comercial que é usado no campo, que pode conter diferentes concentrações de Temephos.
Se considerarmos por exemplo o ABATE 500E, ele tem 50% de Temephos na sua
fórmula, e o resto é chamado de material inerte, pois não é (ou não deve ser!) tóxico.
Se considerarmos o ABATE 1G, que é amplamente usado no controle da dengue, ele
é formulado a 1% em areia. Assim, possui 1% de Temephos e 99% de material inerte.
Se fizermos grosso modo uma relação de perigo, para metade de um grupo de seres
humanos morrer ao ingerir esse produto, chegamos ao resultado que uma pessoa de 80Kg de
peso, precisaria ingerir 100X mais ABATE 1G do que aquelas doses para o produto puro, ou
seja, entre 320 gramas (a menor concentração indicada para camundongos) ou 100
quilogramas (a maior concentração para ratos).
Ou seja, chegamos a um risco muito baixo ou praticamente nulo.

NOTE: Eu não deveria ter feito esses cálculos, principalmente porque esses
estudos de toxicologia não foram desenvolvidos para isso. Outras razões do porque
esses cálculos são inadequados são: nós não somos ratos nem camundongos sadios e
bem alimentados de laboratório; esses valores são para intoxicação aguda, mas a
ingestão freqüente leva a intoxicações crônicas; ingerimos várias outras substâncias
que podem mudar a ação tóxica de um inseticida; nos produtos nem sempre a parte
inerte é segura; alguns produtos podem estar adulterados ou fora das especificações; e
alguns produtos têm alta toxicidade por contato com a nossa pele. Mas, é importante
usar essas informações de forma a comparar as opções para o controle.

RISCO BAIXO
O risco de se utilizar produtos a base de Temephos é de fato baixo. Tanto é, que a
Organização Mundial da Saúde recomenda para uso do Temephos em água (e mesmo água
potável), uma concentração muito maior (20 vezes) do que a concentração necessária para
matar todas as larvas do vetor da dengue em estudos de laboratório.

COMPARE:
Concentração para matar todas as larvas de Aedes aegypti = 0,05 mg/l
Recomendação da OMS (e das autoridades de saúde no Brasil) = 1 mg/l

OUTROS LARVICIDAS
Os perfis toxicológicos de Bacillus thuringiensis e Metoprene estão respectivamente
em http://extoxnet.orst.edu/pips/bacillus.htm e http://extoxnet.orst.edu/pips/methopre.htm.
Foram as opções avaliadas no Brasil para substituir o Temephos no controle do vetor da
dengue.

Bacillus thuringiensis

Essa bactéria é comumente isolada do solo ou de insetos mortos. Existem muitas
variedades (ou sorotipos), sendo algumas delas produzidas em fermentadores e formuladas
como inseticidas para controle de lagartas desfolhadoras, besouros ou mosquitos e
borrachudos, enquanto outras variedades, não são letais. Nas últimas décadas, surgiram no
mercado vários produtos para uso na agricultura, pecuária ou saúde pública.

Bacillus thuringiensis kurstaki (H-3a:3b)

Os produtos usados na lavoura, são à base da variedade kurstaki (Portanto, B.t.k. na
forma abreviada). São usados desde os anos ’60.

Bacillus thuringiensis israelensis (H-14)

Os produtos para pernilongos e borrachudos, são à base da variedade israelensis (B.t.i.
na forma abreviada). Essa variedade foi descoberta em 1976, do solo de Israel, e os produtos
comerciais logo depois chegaram ao mercado.
Importante notar que B.t.k. não tem ação sobre mosquitos e que B.t.i. não tem ação
sobre lagartas desfolhadoras.

TOXICIDADE DE Bacillus thuringiensis

DL50 O.A.Ratos = NÃO TEM. Não há dose tóxica da bactéria para
pássaros, cães, porquinho da Índia, camundongos, ratos e humanos.

Dose oral única em camundongos, ratos e cães produziu toxicidade.
Essa indicação (>10.000; maior que dez mil) significa que até essa concentração não foi observado efeito tóxico, de forma que ficaria impraticável aumentar as doses para se
conseguir mortalidades.

NOTE que essa bactéria é o ingrediente ativo dos produtos. E portanto, os melhores
parâmetros de toxicologia devem ser para os produtos feitos com ela.

Exemplos:
>10.000 mg/kg. Não

LD50O.A.Ratos produto Javelin > 5.000 mg/kg
LD50O.A.Ratos produto Thuricide > 13.000 mg/kg.

Também não são tóxicos tecnicamente falando.

No caso dos produtos VECTOBAC usados no controle da dengue, temos duas
formulações, uma delas na forma de grânulos dispersáveis em água (Water Dispersable
Granules ou WDG) e a outra na forma de suspensão aquosa (Aqueous Suspensiton ou AS).

Os dados toxicológicos são:

VECTOBAC WDG (http://www.msmosquito.com/pdf/VECWDGm.pdf)

Toxicidade Aguda
LD50O.A.Ratos > 5.000 mg/kg
LD50Dermal.A.Coelhos > 5.000 mg/kg

E o mesmo para

VECTOBAC AS (http://www.town.sudbury.ma.us/services/health/emmcp/Vectobac12ASmsds.pdf)

Toxicidade Aguda
LD50O.A.Ratos > 5.000 mg/kg
LD50Dermal.A.Coelhos > 5.000 mg/kg

Ou seja, tecnicamente falando, não são tóxicos.

METHOPRENE

Essa molécula funciona de modo muito semelhante ao hormônio que regula o
crescimento dos insetos (hormônio juvenilizante). E portanto, quando é ingerida pelas
larvas, provoca grave disfunção hormonal levando à morte. Existe hoje uma nova classe de
inseticidas chamados de Reguladores de Crescimento (ou Inibidores de Crescimento),
baseados em substâncias desse tipo, que pela sua natureza, são de fato mais seguras para os
animais vertebrados.

Os dados toxicológicos são:

LD50O.A.Ratos > 34.600 mg/kg
LD50O.A.Cães > 5.000 mg/kg.

Portanto, também não são tecnicamente falando tóxicos.

COMPARANDO TOXICIDADES

A figura abaixo, retirada de um catálogo de produto à base de Bacillus thuringiensis
var. israelensis (Vectobac) permite uma comparação da toxicologia oral e aguda de
alguns inseticidas químicos. Note que ‘Aspirina’, acaba sendo classificada como mais
tóxica oralmente do que Temephos e Vectobac. Nessa classificação, tomamos como
remédio para dores de cabeça, uma substância ‘Ligeiramente Tóxica’.




CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não existe um inseticida ótimo. Inseticidas são venenos. O ótimo, sempre, é não ter
pragas ou vetores para matar. E principalmente no caso da DENGUE, cujos
criadouros na sua enorme maioria podem ser eliminados ou adequados para não mais
criarem mosquitos vetores (o que por sinal, é proibido pelos códigos sanitários).

De posse dessas informações, pessoas leigas e que não são da área de saúde, podem
achar que estão completamente seguras com esses produtos ‘classificados’ como não
tóxicos. E podem supor que tais larvicidas deveriam ser mais amplamente utilizados.
(Exemplo disso, foi a absurda proposta feita por um senhor que não se identificou, em
uma reunião de agentes da dengue, de que a água de torneira já deveria receber
Temephos na própria estação de tratamento).
- Usar Larvicidas Caseiros, como por exemplo cloro de piscina, água de lavadeira, sal
grosso, borra de café, vinagre, arruda amassada, bituca de cigarro, casca de limão... é
amadorismo. O controle sério e profissional, deve ser feito por profissionais do ramo
e empregando produtos registrados para isso. E as medidas caseiras, devem ficar
restritas apenas à eliminação dos criadouros.
- E por fim, gostaria de lembrar que naquele Mini-Curso que ministrei em 2000 no Rio
de Janeiro, fui interpelado por um agente da dengue que me perguntou em sala de
aula se nós achávamos que eles não sabiam ler. Pois ele tinha verificado o rótulo
original em inglês de um desses produtos tidos como não tóxico, e estava bem claro
“Do not apply directly to treated finished drinking water reservoirs...”(ou seja, Não
aplicar diretamente em reservatórios de água potável já tratada). E o agente queria
finalmente saber se eu iria colocar esses produtos na caixa d’água da minha casa. Eu
fiquei um pouco irritado com a pergunta, porque eu não estava determinando as ações
de controle no município, e sim dando aulas sobre modo de ação, eficiência e
toxicidade dos larvicidas. E respondi que não. Que na caixa d’água da minha casa, só
tem água. Não tem mosquito. E aproveitei para explicar que um mesmo produto, pode
ser registrado para diferentes usos em cada país. E que também no rótulo original,
tinha informações típicas de todo inseticida, como “Cuidado”, “Manter Longe do
Alcance de Crianças”, “Nocivo de For Inalado”, “Pode Causar Irritação nos Olhos”,
etc.

BIBLIOGRAFIA DE APOIO

Braga, I.A., J.B.P. Lima, S.S. Soares & D. Valle 2004. Aedes aegypti Resistance to Temephos during 2001
in Several Municipalities in the States of Rio de Janeiro, Sergipe, and Alagoas, Brazil. Mem. Inst.
Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 99(2):199-203.

Polanczyk R.A.; M.O. Garcia & S.B. Alves, 2003. Potencial de Bacillus thuringiensis israelensis Berliner
no controle de Aedes aegypti Rev. Saúde pública, 37(6) São Paulo, 2003.

Macoris MLG, Angrighetti MTM, Glasser CM, Garbeloti VC, Cirino VCB. 1999. Alteração da resposta de
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CAMPOS G. J. & ANDRADE C.F.S. 2001 Susceptibilidade Larval de duas Populações de Aedes aegypti
(Diptera, Culicinae) a inseticidas químicos. Ver. Saúde pública, 35(3): 232-236.

ANDRADE, C.F.S. & M. MODOLO, 1991. Susceptibility of Aedes aegypti larvae to temephos and
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SANTOS, L.U., SOUZA, A.B., ANDRADE, C.F.S. & C.E.P. SOUZA, 1994. Uso de Bacillus thuringiensis
(H-14) como agente controlador de mosquitos em um cemitério. Revista de Patologia Tropical 23
(2):151 -158.

HABIB, M.E.M. & C.F.S. ANDRADE, 1986. "Bactérias Entomopatogênicas" Cap. VII no livro “Controle
Microbiano de Insetos”. S.B. ALVES coord. Editora Manole, pp 127-170.

VILARINHOS, P.T.R, DIAS, J.M.C.S., ANDRADE, C.F.S; & COUTINHO C.J.P.C.A, 1998 “Uso de
bactérias para o controle de culicídeos e simulídeos” Cap. XIII no livro “Controle Microbiano de
Insetos”. S.B. ALVES coord. Editora FEALQ/USP, pp 447-480.

Novembro de 2006

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